O ministro da língua

Estamos devastados, porque uma das personalidades mais influentes na ciência em Portugal, e na política da ciência, desapareceu prematuramente, deixando um vazio impossível de preencher.

À esquerda e à direita, os elogios multiplicam-se. José Mariano Gago conseguiu impor-se a todos com quem se cruzou, devido à sua honestidade, humanidade, inteligência superior e vontade de mudar o país para melhor (este "para melhor" parece pleonástico, mas no caso dele era pensado, discutido e refletido, não era "as intenções eram boas, mas...").

Como várias pessoas nos seus testemunhos já mencionaram, uma das suas frases mais características era: "deixa-me pensar!" (Ver Guilherme de Oliveira Martins em http://e-cultura.sapo.pt/DestaquesDisplay.aspx?ID=6794). E pensava mesmo! Outra era nunca falar por falar. Falava, e dizia sempre qualquer coisa interessante. O menos mediático de todos os ministros? Interessante, porque era o maior e melhor comunicador, sem dúvida!

Uma das características de Mariano Gago que é importante salientar é a sua cultura geral e o seu interesse pelo saber, o que o faz -- e aqui reparem nesta outra dicotomia -- ser amado de cientistas (claro!, dirão alguns) e humanistas (ou seja, pessoas de Letras, filósofos, artistas, pedagogos, e sociólogos?). Uma das questões que me parece mais relevante é mesmo confirmar que os elogios têm vindo de todos os quadrantes, com destaque para o texto de Miguel Esteves Cardoso: http://www.publico.pt/ciencia/noticia/viveu-mariano-gago-1692807.

Outra qualidade de Mariano Gago é o seu respeito pela cultura popular, pelo "saber de experiências feito", que o fez umas das pessoas mais importantes na educação em Portugal. Não só pelas suas ideias. mas pela sua prática governativa. Que atravessou fronteiras: http://www.direitodeaprender.com.pt/artigos/lembrar-um-outro-lado-de-jos...

O que muitos podem não saber é que uma das preocupações fundamentais deste ministro era a língua portuguesa e o seu tratamento computacional, e que fez tudo o que estava ao seu alcance para dinamizar esta área e dar meios aos cientistas/linguistas para a desenvolver. Porque achava que era uma área fundamental para desenvolver Portugal como país de ciência e de conhecimento, e para o nosso posicionamento em termos digitais.

Infelizmente, essa sua atuação não foi compreendida por muitos (tanto investigadores como polítcios), que acharam simplesmente que era um desvio de fundos das suas áreas para uma área irrelevante, ou que projetos europeus poderiam tratar do português. Na minha opinião, a impossibilidade de convencer os seus colegas brasileiros a apostar nessa área como estratégica e de fazer por exemplo uma frente/consórcio em relação às questões de língua perante a Microsoft ou a Google foi um dos falhanços que ele mais lamentou. Claro, estou a puxar a brasa à minha sardinha, não há dúvida, mas penso que a esse respeito partilhávamos as opiniões e trabalhei para ele.

Finalmente, gostava de reiterar a minha admiração pelo facto de o Mariano Gago se manter amigo apesar das divergências de opinião, que surgem sempre, e que em muitas relações conduzem a um esfriamento: como o José Vítor Malheiros do Público descreveu (http://www.publico.pt/ciencia/noticia/jose-mariano-gago-o-sonho-de-um-pa...), ele era um pragmático (o que não quer dizer neste caso amoral) e podia chamar aos outros "líricos" ou mesmo "maluquinhos" (aqui testemunho eu com orgulho), o que não quer dizer que não apreciasse (nos dois sentidos) as nossas intervenções e opiniões.

Por isso penso que Mariano Gago também devia ser considerado o ministro da língua. Foi certamente o ministro que em algum governo se preocupou e mais fez sobre a língua portuguesa.

 

 

 

 

 

 

 

Emneord: Portugal língua cultura Av Diana Sousa Marques Santos
Publisert 22. apr. 2015 10:07 - Sist endret 13. apr. 2023 09:47